Fabro Steibel.
Zero Hora, Caderno DOC, 07/11/2016 (matéria)
Em maio de 2016, um carro com direção autônoma matou seu motorista. Joshua Brown, de 45 anos, dirigia seu carro Tesla quando atingiu um trailer que cruzava a pista. Joshua deveria estar ao volante, mas escolheu (contra as indicações da lei) assistir a Harry Potter e relaxar. Seu carro, que um dia salvara sua vida e virara vídeo de YouTube, dessa vez causou a colisão, e provocou a primeira morte da sua era.
Muito se tem falado sobre carros que dirigem sozinhos. Tais máquinas ainda não existem, mas em breve você vai ter uma na garagem. Ao invés de dirigir carros, seremos dirigidos por eles. Mas, para esse dia chegar, temos de fazer algo indigesto: ensiná-los a matar-nos quando houver necessidade.
Dentro da categoria de carros que dirigem sozinhos, há seis classificações possíveis. Os carros de grau 0 nem são mais fabricados – pense em algo vendido nos anos 1940. Já os carros de grau 1 são aqueles que temos na garagem. Eles nos auxiliam, graças à sua tecnologia, a reduzir a velocidade, fazer uma curva ou a trocar de marcha. É um carro, contudo, que não dirige ainda por nós, mas nos ajuda a dirigir.
O carro Tesla é mais elevado do que isso. É um carro grau 2. Nesse caso, o “cérebro” do carro permite exercer “direção autônoma”: manter distância do carro da frente, trocar de pista sozinho e frear se algo à frente acontecer. Sem você precisar interferir.
Para experimentar algo mais avançado que isso, você precisa ser um piloto de caça F-16, cujo autopiloto, nesse ano, salvou o piloto que perdera consciência ao fazer uma manobra brusca. Ou então você pode simplesmente andar de metrô em Copenhagen, em Londres ou em outras 46 cidades de 32 países (São Paulo, inclusive), onde há trens que dirigem com pouca ou quase nenhuma ajuda de humanos.
Mas quem gosta de comodidade quer mesmo é experimentar um carro grau 5, aquele que nos leva para onde quisermos sem precisarmos fazer nada. Para imaginar essa máquina, visite os filmes da sua cabeça, começando pela série Se meu Fusca falasse e terminando por Eu, robô. Se você imaginou um Herbie, seu carro grau 5 tem senso de humor e bons modos. Se você imaginou um carro robô, você selecionou um carro que será você amanhã.
O que é comum a carros que dirigem sozinhos, do Tesla ao carro dos sonhos, é a necessidade de tomar decisões. Como humanos, esses carros terão de tomar decisões atrás do volante. E, eventualmente, essa decisão envolverá matar alguém. Para você se colocar na pele de um carro, use seu computador ou celular e faça o teste Máquina Moral, do renomado centro de estudos MIT Media Lab (moralmachine.mit.edu/). Ali, você terá que responder a 13 perguntas de múltipla escolha. Em cada alternativa, precisará decidir a quem salvar ou não. Atropelar um cachorro ou um humano? Avançar sobre um jovem ou um idoso? Salvar quem atravessa dentro ou fora da faixa?
Parece simples, mas é difícil treinar máquinas para matar. E não existe alternativa para isso. Humanos, ao dirigir, fazem escolha. Máquinas terão de fazer o mesmo, mas podem fazer apenas escolhas que, em teoria, nós ensinamos a elas. Carros usam sensores avançados, enxergam melhor do que nós, e pensam mais rapidamente. Carros autônomos serão programados para olhar por nós, a fim de proteger-nos, é claro. Mas, para isso acontecer, carros terão de ser programados para situações em que será necessário, eventualmente, nos matar. E nós, humanos, teremos de ensiná-los a como fazer isso.