Com quantos futuros se faz o amanhã?

Por Mariana Rezende*

 

Dá para olhar para o futuro somente observando o agora? O futuro talvez se esconda nas entrelinhas da realidade presente, no entremeio da fusão entre ciência, tecnologia e arte. Para enxergá-lo, é necessário que as métricas quantificáveis dividam espaço com a criatividade. Apenas o exercício de observação atenta e de imaginação ativa pode nos levar a desvendá-lo.

 

Festival Futuros Possíveis

 

Se o ser o humano é em essência futurista, como afirmou Peter Kronstøm, foi se o tempo em que sábios profetas tinham o dom de prever o futuro, ou então, o tempo em que ficávamos deslumbrados com delirantes obras de ficção científica. Se o futuro é agora, hoje, alcançamos a sistematização metodológica de previsão do futuro e assim conseguimos, se não prever, pelo menos imaginar uma variedade de futuros possíveis.

 

Foi nesse contexto que aconteceu neste sábado (08/12), no Rio de Janeiro, o Festival Futuros Possíveis, realizado pela Casa Firjan. O evento contou com grandes nomes nacionais e internacionais, relacionados às pesquisas de tendências, compondo uma programação composta por painéis, workshops, experiência interativa e oficina maker até um show da banda Lumen Craft. Tudo foi realizado com curadoria do Lab de Tendências da Casa Firjan.

 

Na chegada, a imponência amarela da Casa já nos traz a sensação de termos chegado a um futuro. Nada é mera coincidência. Logo no início ficou explícito, nas falas das pesquisadoras representantes do Lab de Tendências, que a Casa havia passado a ser conhecida intimamente como “Casa do Futuro”, um espaço comprometido com a ação de refletir e criar propostas e soluções inovadoras para os desafios de uma nova realidade em uma sociedade em transformação constante.

 

Multiplicidade de Futuros

 

O evento, que se estenderia ao longo de todo o dia, propôs-se a difícil missão de imaginar o futuro, deixando bem clara a pluralidade do desafio: não existe um único, pré-determinado futuro, como preveem as cartomantes, mas sim uma infinidade de futuros possíveis. Esta era a missão de todas as pessoas ali reunidas: imaginar cenários futuros, entendendo como as mudanças que se dão hoje no presente podem ou vão impactar a sociedade daqui a alguns anos.

 

Fomos assim chamados a participar de uma construção ativa do amanhã em que gostaríamos de viver, tomando consciência do nosso protagonismo, enquanto sociedade, na preservação e na adaptação dos valores éticos e humanos as mudanças em curso. Como ficou evidente, ao longo de todo o evento, o futuro não é algo distante, liderado por futuristas ou empresas de tecnologia, mas sim algo construído no agora por todos nós enquanto indivíduos ativos e engajados.

 

Programação

 

Toda a programação foi estruturada com base em três Macrotemas: Imaginando Futuros, Habitando Futuros e Coexistência Futuras. Se começamos desvendando o caminho que nos leva ao futuro, os dois temas subsequentes nos permitiam o exercício de observá-lo por duas diferentes perspectivas: “Como funciona a adaptação da sociedade a cenários de grande transformação?” e “Quais são os novos arranjos sociais possíveis, intermediados por tecnologia?”.

 

Logo no primeiro painel, no relatório de Macrotendências 19-20, desenvolvido pelo próprio Laboratório de Tendências da Casa, foram apresentadas três alternativas de futuros antecipadas e pré-experienciadas:

 

1. Novaleva

 

2. Eu.lístico

 

3. Complex.ID

 

Apesar de suas particularidades, todas possuíam como característica transversal a inserção da tecnologia de forma profunda na vida cotidiana, e foram essas versões de futuros que guiaram o restante das atividades ao longo do dia.

 

O Futuro Hoje

 

Inevitavelmente chegaremos ao futuro. Prevendo-o ou não, navegaremos entre Macrotendências e Wildcards, palavras de ordem, entre futuristas. No entanto, depois de um dia inteiro de festival, no qual descobrimos que a próxima principal interface serão os meios de transporte; no qual conhecemos o primeiro Ciborgue do mundo, Neil Harbson; no qual nos deparamos com os desafios éticos enfrentados no desenvolvimento de produtos de dados, no workshop de Letícia Pozza, e em que comemos proteína de insetos, a nova Super Food de Luiz Filipe Carvalho; é difícil não perceber que realmente o futuro já chegou, pelo menos para as pessoas que ali estavam.

 

* Estudante do Programa de Iniciação Científica da ESPM-Rio, orientada pela pesquisadora do LCC Veranise Dubeux

 

Imagem: Arquivo pessoal – Mariana Rezende

O Museu Nacional mostra o verdadeiro Brasil

Por Roberto Sá*

 

Agora em ruínas, o prédio histórico do Museu Nacional é o fiel retrato de como nós, brasileiros, pensamos na nossa educação, história e cultura e tratamos delas.

 

A verba destinada ao Museu para 2017 não chegou a R$ 400 mil, bem inferior à destinada a diversas outras áreas. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha, por exemplo, tem um orçamento de R$ 1,7 bilhão, de forma que gastamos muito mais para que os partidos façam campanha.

 

A culpa pela situação é de toda a nossa sociedade. As empresas investem onde podem ter lucro ou, pelo menos, visibilidade de suas marcas. Se no Brasil temos demanda para shows e eventos, eles serão realizados. Porém, precisamos também pensar quando fomos pela última vez ao Museu Nacional (ou a qualquer outro). Vejo em minhas timelines mais fotos de amigos em museus na Europa do que em nossas próprias cidades.

 

Se você não viu o acervo do Museu Nacional, não é porque o Museu pegou fogo e você não poderá mais vê-los, mas porque você não foi até lá ver quando podia.

 

O desafio agora é evitar que se deteriorem outros aparelhos culturais. A UFRJ, sucateada em diversas áreas, já mostrou não ter condições de gerir aparelhos culturais. O Canecão, por exemplo, poderia gerar renda para instituição, mas a população foi privada desse local.

 

Podemos culpar o governo atual, o passado ou os anteriores. Podemos apontar as verbas desviadas ou investidas em outros lugares. Mas se lembre de ir a museus. Isso incentiva que as verbas públicas e privadas sejam destinadas a eles. A culpa também é nossa, e, hoje, o Museu Nacional, em ruínas, com futuro incerto e triste, mostra a cara do tratamento que damos para a cultura no Brasil.

 

* Pesquisador do Laboratório de Cidades Criativas

 

Imagem: Tribuna do Paraná

O uso da Inteligência Artificial vai mudar a sua vida

Por Isabella Vasconcellos*

 

Você já pensou em conversar com um pão de forma no supermercado?

 

Aguarde, porque está chegando a hora. Você vai poder perguntar a ele quantas calorias tem em cada fatia, o seu valor nutritivo, o seu prazo de validade e outras coisas que lhe interessarem.

 

A Inteligência Artificial (IA) simula a capacidade humana de raciocinar, perceber, tomar decisões e resolver problemas por meio do uso da computação e da informática.

 

Essa ferramenta está sendo cada vez mais usada nas empresas. Segundo a Gartner, o uso da Inteligência Artificial para análise de dados deve representar um negócio de US$ 182,5 milhões no Brasil esse ano. Trata-se de uma área  que só tende a crescer, já que a previsão para 2020 é a de que cerca de 85% das interações dos consumidores com as companhias e marcas serão feitas com ferramentas de IA, sem a intermediação de humanos.

 

A Receita Federal acaba de anunciar que utilizará essa ferramenta para acelerar o andamento de milhares de processos tributários à espera de julgamento na primeira instância administrativa.

 

Mas certamente existem aplicações mais divertidas do que essa. Áreas como videogames, saúde, hotelaria e indústria automobilística já aplicam essa solução em seus negócios. As empresas de telefones celulares já estão aplicando a inteligência artificial no reconhecimento de face do usuário do aparelho.

 

No aplicativo móvel do Bradesco, um robô responde a 11 mil perguntas de clientes por dia.

 

Nos supermercados, a Inteligência Artificial que é baseada em complexos algoritmos consegue traçar o perfil de compra do consumidor e seu estilo de vida para realizar ofertas direcionadas, aumentando o volume de venda.

 

Hoteis internacionais já utilizam robôs no atendimento ao cliente na recepção e também na entrega de pedidos nos quartos.

 

Na arte e diversão, a IA também está presente e de forma divertida. No Projeto “A Voz da Arte” na Pinacoteca de São Paulo, o Watson, sistema de Inteligência Artificial da IBM, já proporciona aos visitantes a interação com algumas obras de arte. Isso tornou a exposição mais atraente para o público por conta do conteúdo extra apresentado ao longo do passeio.

 

Dois exemplos valem ser ressaltados na visita de estudantes de escolas à Pinacoteca como parte do programa de teste do sistema pela IBM. Por meio de IA, o visitante pode perguntar ao quadro “O MESTIÇO”, de Cândido Portinari, se ele jogava futebol. O sistema respondeu que o mestiço trabalhava muito e não tinha tempo para jogar futebol. Na segunda pergunta, o estudante queria saber se “O MESTIÇO” conhecia o jogador Neymar.

 

A segunda obra assistida por IA foi a escultura “O PORCO”, de Nelson Leirner. Diante da obra, os estudantes fizeram algumas perguntas sobre a idade do porco, onde ele vivia e quantos quilos ele pesava. Mas o grande desafio do Watson foi responder à seguinte pergunta: “Você conhece a Peppa Pig?”. Essa resposta não estava prevista no sistema.

 

A Inteligência Artificial ainda tem os seus desafios ao longo do caminho de aprimoramento.

 

Mas, com o grande investimento e o empenho das empresas, você, consumidor, poderá em breve conversar com o pão de forma. Só não se esqueça de usar os headphones para não causar estranheza aos demais consumidores.

 

* Pesquisadora do Laboratório de Cidades Criativas.

 

Imagem: SHOWMETECH

O coach e o coworking: uma parceria possível?

Por William Martins*

 

Opções para sediar um negócio em desenvolvimento existem, mas nem sempre atendem às necessidades do empreendedor

 

Quando saí do emprego em tempo integral para me dedicar ao coaching, minha primeira ideia foi largar o home office e ocupar uma mesa em um coworking. Juntar dois mercados em ascensão e que teriam tudo em comum: criatividade, colaboração, foco. Passado um ano de tentativas e erros, descobri que unir coaching com coworking é uma parceria improvável. E descobri o porquê.

 

Coaching é um mercado que cresce vertiginosamente. De 2009 a 2012, o número de coaches certificados no Brasil subiu de 350 para 1.100, de acordo com pesquisa da consultoria PwC e cresceu novos 300% entre 2012 e 2015, de acordo com pesquisa encomendada pela Internacional Coaching Federation (ICF).

 

Coworking é outro mercado que cresce muito. No Brasil, foi de 238 espaços em 2015 para 810 em 2017, um salto de 240%, justamente no período que o país enfrentou uma grave crise econômica e de emprego.

 

O que une coaching ao coworking é o sonho de construir um negócio próprio evitando desperdícios de dinheiro, tempo e energia. Nessa perspectiva, o coworking se propõe a fornecer infraestrutura para o empreendedor, por um baixo custo e dispensando-o de várias atividades-meio que comprometem sua produtividade. Há ainda uma promessa, nem sempre verbalizada, de que lá você estará em contato com conexões que ajudarão seu negócio a decolar em menos tempo.

 

Mas não encontrei isso na prática.

 

O primeiro motivo foi que o crescimento desses dois mercados os levou para caminhos opostos – o coach precisou oferecer cada vez mais para um público hipersegmentado, enquanto o coworking passou a reduzir sua proposta de valor para brigar por preços para um público cada vez mais amplo. Nesse cenário, o coach encontra no espaço compartilhado apenas um rateio não proporcional de uma sala comercial, mas permanece responsável por toda construção e condução de um negócio do zero.

 

O segundo motivo foi que, ao iniciar um negócio, raramente você possui recursos suficientes para torná-lo sustentável e só tem previsões e expectativas de quando isso irá acontecer. Logo, sem dinheiro, você busca soluções sem custo, mesmo que isso implique uma falta de profissionalismo ou dificulte o contato com fontes de conhecimento, experiências e relacionamento que contribuiriam para que seu negócio virasse em realidade.

 

Isso significa uma falha de mercado, porque os espaços de coworking não buscam conseguem, ou demonstram capacidade de construir um ecossistema catalisador de negócios que ultrapasse o “momento do cafezinho” e dos happy hours entre os residentes, comprometendo a entrega de valor a partir de uma experiência completa para os clientes. Ocorre que o modelo de trabalho que estamos acostumados é o ambiente corporativo, em que você pode focar, quase exclusivamente, nas atividades-fim do seu negócio – o coach conduz os processos de coaching, os advogados cuidam de suas causas, os arquitetos fazem projetos. Nesse modelo, não temos obrigações relacionadas ao processo de vendas, suporte a clientes, estratégias de marketing ou outra atividade-meio que componha o back office de uma empresa.

 

A verdade é que queremos sair ou saímos forçadamente do sistema organizacional tradicional, mas esse sistema ainda está entranhado em nossa forma de agir. Sob essa perspectiva, vi que não preciso de um espaço compartilhado de trabalho – algo que posso ter em uma das mais de 13 mil cafeterias espalhadas no Brasil – eu preciso de um ambiente fértil para que eu possa colaborar e ter a colaboração de outras pessoas que, assim como eu, ainda estão em busca da consolidação de seus modelos de negócio e fatias de mercado em um cenário altamente competitivo.

 

* Mestrando em Gestão da Economia Criativa pela ESPM-Rio e coach de carreira.

Resolver a violência no Rio de Janeiro demanda soluções criativas

Por Isabella Vasconcellos*

 

Não foram poucos os questionamentos acerca da intervenção na segurança do Estado do Rio de Janeiro. Alguns caracterizaram a decisão como uma grande jogada populista do governo federal. Outros reclamaram do fato de o titular do projeto ser um militar e não um civil.

 

Questionamentos à parte, o assunto é grave. E exige soluções criativas.

 

Usando o recurso da analogia, quando o ser humano sente dor em alguma parte do corpo, a atitude imediata é fazer uso de um analgésico ou até um antibiótico. A intervenção corresponde ao remédio que tenta aliviar as dores de forma mais rápida dos moradores do Rio. Em seguida, é preciso identificar as causas das dores para que elas não se repitam.

 

Mas agora, como Leo Branco muito bem caracterizou em “A violência é um problema real e urgente” (Exame, 7/3/18), é hora de amenizar a dor que, para alguns parentes e amigos de pessoas que sofreram com ela, é intensa.

 

As previsões de especialistas indicam um orçamento necessário de mais de R$ 5 bilhões por ano para atender as necessidades mais urgentes. Esse investimento inclui novas tecnologias para gerar mais inteligência para a segurança, mais equipamentos, mais policiais, mais presídios que hoje têm uma população 63% superior à sua capacidade.

 

Isso provavelmente vai gerar mais prisões que funcionam hoje como “fábricas do crime”. Na Malásia, foi criado o Programa de Reabilitação Comunitária (PRC), que, em conjunto com os Ministérios da Educação e Agricultura, oferecem aos pequenos delinquentes, nos terrenos ociosos das bases militares, capacitação especializada em criação de peixes e produção agrícola e são remunerados pela venda dos produtos. A eles é oferecido o contato regular com seus familiares em alojamentos próximos, para que possam permanecer por mais tempo nesse processo de recuperação até que sejam encaminhados aos serviços de recolocação do Ministério de Recursos Humanos. Com isso, a taxa de reincidência de pequenos infratores caiu 90%.

 

Se vai dar certo ou não essa intervenção, ainda não sabemos, mas as perguntas são “Por quanto tempo?”, “Quando acabar, como será?”,  “Os bandidos voltarão às ruas?”

 

Onde estão as medidas de médio e longo prazo que garantirão a redução perene da violência no Rio?

 

Em dezembro de 2017, foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) o orçamento de 2018 do Rio de Janeiro, que prevê um gasto de R$ 7,5 bilhões em Educação, um pouco mais que os R$ 5 bilhões necessários para combater a violência decorrente da falta de educação e oportunidades para muitos moradores.

 

O Rio de Janeiro tem hoje dois milhões de moradores nas favelas, que, juntas, têm uma população maior do que capitais como Manaus, Recife, Curitiba e Porto Alegre.

 

Faltam as alternativas de educação criativa, com metodologias que encantam, que conduzem à empregabilidade para os moradores dessas comunidades. Enquanto isso, o tráfico de drogas aparece como uma alternativa – talvez a única – para os jovens de baixa renda, muitos deles vítimas de violência doméstica.

 

E o círculo vicioso se renova. As empresas fecham sua operação no estado do Rio de Janeiro depois de perderem bilhões com roubos de carga e serviço de segurança privada. Novos empregos são extintos, incentivando ainda mais a violência.

 

Mas fica a pergunta: Quem vai resolver as causas da violência? Baixo nível educacional da população, investimento insuficiente na educação, poucas ofertas de emprego e baixos salários.

 

Enquanto isso, não tenhamos dúvidas, as eleições se aproximam, e o combate á violência certamente será o principal assunto das campanhas.

 

* Pesquisadora do Laboratório de Cidades Criativas.

 

Imagem: Causa Operária

Quais os desafios para as mulheres em ano eleitoral?

Por Karla Gobo*

 

(Texto originalmente produzido para a Escola da Política)

 

Pensar a necessidade da participação da mulher na disputa político partidária requer pensar o próprio modelo de democracia. Numa sociedade complexa, com inúmeros interesses, não seria estranho ter uma classe política razoavelmente homogênea? Composta basicamente por homens brancos, em sua maioria acima dos quarenta anos, de alta escolaridade e pertencentes às frações de classe mais altas num país marcado por tamanhas desigualdades como o Brasil? Se pensarmos a democracia como construção do consenso através do conflito entre posturas e opiniões divergentes, não estaria faltando maior diversidade no sentido de aumentar os pontos de conflito a fim de construir consensos mais complexos, mas também mais sólidos? Assim não se estaria também aumentando a qualidade da democracia com maior equilíbrio de forças para que nenhum grupo pudesse por em risco os demais? Se uma democracia é formular, exprimir e ter suas preferências consideradas na conduta do governo, não estaríamos deixando as nossas proposições serem comandadas por preferências diferentes e até mesmo contrárias as nossas? Em outras palavras, a diversidade dos nossos interesses, experiências e opiniões não estaria sendo representada por um grupo demasiadamente pequeno? Sendo assim, será que não há uma desconexão entre os representantes e representados?

 

A disparidade de gênero não é uma peculiaridade brasileira. O Brasil tem pouco mais de 10% de deputadas federais quando a média mundial é de 22,1%. Estamos no 154º lugar entre 193 países, à frente apenas de alguns países árabes, do Oriente Médio e de ilhas polinésias. No executivo a situação é ainda pior, configuramos na 167ª posição no ranking mundial de participação de mulheres no executivo, que analisou 174 países.[1]

 

Dentre os países latino americanos a Argentina tem aproximadamente 39% de representação feminina. Bolívia 53%, Peru 27%, Venezuela 22%, México 43%. Dentre os países desenvolvidos EUA 19%, Canadá 26%, França 26%, Alemanha 37%.

 

Em 1997 foi estabelecida uma lei que propunha a reserva de vaga de 30% para candidaturas mulheres. Como muitos partidos não respeitavam a regra por se tratar de reserva e não de obrigatoriedade em 2009 a lei foi alterada[2]. Nesta nova configuração, os partidos devem preencher no 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

 

Entretanto, nas municipais de 2016 12,5% de todas as mulheres inscritas para disputar a eleição não recebeu nenhum voto, ao contrário dos 2,6% dos candidatos do sexo masculino. Nestas mesmas eleições municipais, notou-se uma distinção na distribuição de recursos pelos partidos que tendem a privilegiar candidaturas do sexo masculino. Mas felizmente tivemos algumas melhoras, segundo a pesquisa realizada e divulgada pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). Em 2008 eram 6.450 mulheres. Em 2012 as Câmaras municipais contavam com 7.782 vereadoras e em 2016 foram eleitas 7.803.

 

Os desafios vão desde o enfrentamento das violências física e simbólicas que as mulheres em geral são cotidianamente expostas. Violências e exclusões diárias nos ambientes públicos e privados, que veem com desconfiança ou repúdio a participação feminina em cargos públicos ou de chefia. A título de exemplo basta lembrar o tipo de manifestação contra o aumento dos combustíveis no governo Dilma que gerou um tipo de reação em nada comparável no governo Temer, que também já assistiu a algumas alterações nos preços.

 

Essa estrutura desigual pede ações efetivas de enfrentamento na vida pública e privada. Na vida pública isso vai desde não aceitar menos do que seu colega de trabalho que ganha em média 30% a mais realizando a mesma tarefa, até se posicionar contra os assédios de chefes e colegas de trabalho. Assédios que podem ser um convite para jantar, um comentário sobre seu batom ou roupa durante uma reunião de trabalho ou constrangimentos por conta da maternidade ou orientação sexual.

 

Para a participação na vida política, é fundamental que as mulheres passem a exigir participação equitativa nos diretórios e executivas dos partidos. Para se ter uma ideia das desigualdades nas estruturas partidárias dos grandes partidos: o PT é aquele com uma divisão mais igualitária nos seus diretórios, com aproximadamente 46% de mulheres. O PSDB tem aproximadamente 25%. o PMDB 11% e o DEM 4%. Nas executivas nacionais com exceção da pequena melhora do PMDB (13%) e o empate do DEM (4%), o PT tem apenas 32% e PSDB 23%[3]. Lembrando que esses cargos são fundamentais para a visibilidade e a divisão mais igualitária entre os recursos destinados para as candidaturas.

 

Tradicionalmente os partidos localizados à esquerda do espectro ideológicos têm uma divisão mais equitativa nos seus postos de direção. Isso pode ser explicado pela forma como eles nascem, com suas bases nos movimentos sociais, estudantis e sindicais. No entanto, é preciso lembrar que os índices melhores do Partido dos Trabalhadores é também reflexo da adoção de cotas de gênero naquele espaço desde 1991, enquanto os demais raramente explicitam a reserva de vagas em seus estatutos.

 

A disputa nos espaços públicos também requer mudanças nas relações nos ambientes privados, sobretudo na divisão das tarefas domésticas. Atualmente os homens ocupados trabalham, em média 41,1 horas no emprego e 10,5 horas em casa, totalizando 51,6 horas. Enquanto as mulheres utilizam 36,5 horas no emprego e 18 horas nos afazeres domésticos, somando assim 54,5 horas semanais.[4]

 

Enfim, para as mulheres os desafios são constantes e diários, não há espaço que não esteja marcado por formas de violência e exclusão físicas, materiais e simbólicas que precisam ser ativamente enfrentadas.

 

[1] https://nacoesunidas.org/brasil-fica-em-167o-lugar-em-ranking-de-participacao-de-mulheres-no-executivo-alerta-onu/

[2] A Lei nº 9.504/1997 passou para Lei nº 12.034/2009.

[3] http://www.generonumero.media/partidos-recorrem-candidatas-fantasmas-para-preencher-cota-de-30-para-mulheres/

[4] https://oglobo.globo.com/economia/mulheres-trabalham-oito-horas-mais-que-os-homens-nos-afazeres-domesticos-22156901

 

* Pesquisadora do Laboratório de Cidades Criativas e integrante da Escola da Política.

 

Imagem: Revista Gambiarra

Criatividade e sabores na culinária das Yabás do subúrbio carioca

Por Adelaide Chao*

 

A gastronomia carioca é um atrativo de alto valor turístico. Madureira, lugar naturalmente efervescente do subúrbio carioca, oferece uma culinária de bairro, marcante para a identidade da cidade do Rio de Janeiro. Apropriando-se das tradições e da história cultural, desde a formação do subúrbio até o enredo de personalidades icônicas da música popular brasileira, os bailes de charme, as escolas de samba e as manifestações de jongo, cozinheiras “de mão cheia” saíram de seus quintais e levaram os almoços de domingo de suas cozinhas para a rua.

 

Desde 2008, a Feira das Yabás é um evento de gastronomia e música, que reúne no espaço público da rua, na Praça Paulo da Portela, 16 barracas que oferecem o melhor da culinária de subúrbio carioca. A comida de subúrbio, conceituada pelos frequentadores, é uma comida bastante farta, feita para muitas pessoas, com qualidade, e que remete à memória familiar, festejada. Muitas vezes chamada “comida de vó”, a feira oferece pratos como feijoada, cozido, tripa lombeira, jiló frito, carne seca com abóbora, macarrão com carne assada, bolinho de feijoada, doce de abóbora e tantos outros quitutes.

 

De origem iorubana (dialeto africano), o termo yabá (iabá, aiabá ou oiá) significa “rainha”, “mãe”, “senhora idosa”, “aquela que acolhe e alimenta seus filhos”. As Yabás são mulheres tradicionais da comunidade de Madureira e, em sua maioria, descendentes de personalidades que representam a identidade cultural carioca. Em um grupo de 16 barracas, encontramos as yabás Selma Candeia (filha de Mestre Candeia Filho), Janaína e Vera de Jesus (netas de Clementina de Jesus), Tia Surica (quituteira famosa da Portela), Tia Nira (filha de mestre Jaburu, ritmista da Portela e peixeiro mais famoso do bairro), Dona Neném e Aurea Maria (mãe e filha, integrantes da Velha Guarda da Portela e parentes dos fundadores da escola de samba), e tantas outras mulheres que trazem para suas barracas memórias de família, a recriação de pratos famosos e a história de seus antepassados.

 

Além dos quitutes, a Feira das Yabás apresenta em suas edições shows de artistas novos e consagrados nas tantas manifestações culturais que caracterizam o subúrbio. Idealizada por Marquinhos de Oswaldo Cruz, sambista e compositor, a Feira tem o objetivo de oferecer gastronomia e música como recursos da cultura e da cidadania, uma sociabilidade revitalizada no espaço público que integra, comunica, enaltece os usos da cidade e aponta as representações da comensalidade na identidade carioca.

 

A cada edição da Feira, os espaços criativos de consumo se reinventam. As barracas mantêm a tradição e apresentam novidades culinárias, além de se comercializar artesanato – em tempos de crise, uma alternativa econômica para a maioria das yabás.

 

A importância de vivenciar eventos culturais, a exemplo da Feira das Yabás, colabora para o imaginário da cidade, a preservação da memória e as transformações da identidade carioca.

 

* Mestre e doutoranda em Comunicação pela UERJ. Tem MBA em Marketing pela ESPM-Rio. Pesquisa a culinária de subúrbio carioca há mais de 5 anos e desenvolve pesquisas sobre as relações da cidade com a alimentação, a cultura e a comunicação.

 

Imagem: Brasil 247

A Colômbia que o Rio deveria ser

Por Roberto Sá*

 

Quando falamos em Colômbia, o que ainda nos vem à cabeça? Pablo Escobar (provavelmente com a face de Wagner Moura, em “Narcos”) ? Valderrama e sua histórica cabeleira loura? Shakira, com seu rebolado latino?

 

Em breve, isso mudará. A Colômbia será conhecida – e reconhecida – pela sua criatividade e pelas suas ações criativas focadas no desenvolvimento social, que estão ajudando centenas de pessoas a ter uma vida melhor.

 

Cabe voltar um pouco no tempo para entender por que nós, cariocas, somos tão parecidos com os vizinhos sul-americanos. Conhece algum lugar que foi dominado pelo poder paralelo durante décadas? Um lugar com violência excessiva, gerada principalmente pela ação do tráfico de drogas e que fez com que as economias locais entrassem em declínio, colocando a maior parte da população em realidade social bem triste? Devastado ainda pela miséria e sem perspectiva de crescimento? Esse lugar poderia ser o Rio de Janeiro ou Medellín. Colocam-se ainda nessas similaridades a força das culturas locais e o amor por música, dança e futebol.

 

A diferença é que a Colômbia hoje, com a trégua das FARC, começa a ressurgir no cenário mundial como um pólo de criatividade e inovação. Locais mais pauperizados não terão muitas oportunidades para inovações tecnológicas, mas são propícios às inovações sociais e culturais.

 

Alguns exemplos de inovações sociais colombianas são bem emblemáticos, como as bibliotecas Parques da Colômbia, que já foram inclusive reproduzidas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro. Havia unidades em Manguinhos, Rocinha e Centro, mas já tiveram seu funcionamento descontinuado. Tais bibliotecas ofereciam acesso ao conhecimento e cultura para jovens carentes.

 

Além disso, manifestações populares contaram com o apoio da iniciativa privada. O projeto “Lloro de Lloró” – que ocorre na cidade de Lloró, cujo nome (“choro” em português) está relacionado às intensas chuvas da região – levou à região uma usina de tratamento de água, na qual se engarrafa a água da chuva. Os habitantes locais, com o apoio de uma empresa privada, engarrafam a água da chuva que dá fama à cidade, customizam as garrafas e as vendem como souvenir. O projeto é simples e trouxe benefícios para a população local.

 

Outra iniciativa interessante ocorreu em Chocó, o projeto “Chocó to Dance”. O site do projeto oferece mais de 100 aulas de dança online, ministradas por moradores dessa comunidade carente. A verba obtida pelos 10 dólares de anuidade é revertida diretamente em bolsas de estudo. A alegria, a dança e a criatividade – que sobram no Rio de Janeiro – vêm sendo exploradas de forma inteligente pela população da comunidade colombiana.

 

A Colômbia é berço de outras iniciativas sociais criativas, como o “Lifesaver Backpack”, mochilas escolares com salva-vidas para crianças de regiões ribeirinhas, e “El Balígrafo”, que transforma projéteis em canetas como símbolo de uma nova Colômbia, que já segue o caminho que deveríamos seguir.

 

* Pesquisador do Laboratório de Cidades Criativas

 

Imagem: Prancheta de Arquiteto

Criatividade e sinergia no varejo

Por Isabella Vasconcellos*

 

Com uma população estimada de 234 milhões de pessoas distribuídas em 5.570 municípios, o Brasil segue oferecendo desafios para os que se dedicam ao varejo.

 

Grande parte desses municípios não tem população suficiente para justificar a abertura de qualquer negócio, seja varejo em geral ou serviços de educação privada. Do total de municípios, 3.804 têm menos de 20 mil habitantes e são a maioria (68,3%). Existem municípios com menos de mil habitantes, como é o caso de Serra da Saudade (MG), com 812 habitantes; Borá (SP), com 839; e Araguainha (MT), com 931.

 

Existe uma forte concentração populacional no Brasil:  56,5% dos habitantes (117,2 milhões de pessoas) vivem em 310 municípios (5,6% do total).

 

As empresas querem expandir sua operação nacional para além dos grandes centros urbanos, onde o custo de operação é muito alto. Porém, dois fatores aumentam o desafio das empresas no Brasil: a crise econômica e o baixo valor da renda per capita do brasileiro, atualmente em US$ 8.649. O valor é muito baixo se comparado aos EUA (US$ 57.638) ou à zona do euro (US$ 35.008), segundo o Banco Mundial e a OCDE.

 

Mas como lidar com os desafios ?

 

O e-commerce pode ser a solução. Ele tem crescido consistentemente, mas, ainda assim, não é suficiente para atender a essa população espalhada em um território com dimensões continentais.

 

O grupo Uni.co – uma holding de varejo e dono das marcas Imaginarium, Puket (meias e moda íntima, moda praia e acessórios), Ludi (Papelaria e presentes) e MinD (decoração e design) – buscou uma solução criativa para conseguir abrir lojas nas cidades com menos de 200 mil habitantes.

 

A empresa uniu o sortimento das marcas Imaginarium, Puket e Balonè de acessórios sob a marca Love Brands. As diferentes empresas dividem os custos da loja e geram receita, permitindo superar o ponto de equilíbrio da operação. Seria impossível alcançar esse resultado de forma independente. Até 2017, já eram 50 lojas dentro desse modelo.

 

Condições adversas demandam soluções criativas e parcerias.

 

* Pesquisadora do Laboratório de Cidades Criativas.

 

Imagem: Love Brands

A mulher na política e nas organizações

Por Karla Gobo*

 

A busca por informações sobre feminismo no Google cresceu 200% em 2 anos. A reflexão sobre as diferenças que foram naturalizadas durante séculos vem levando ao aumento de denúncias de abusos nos ambientes privado e público, assim como à ampliação do debate sobre o lugar que ocupamos neste mundo.

 

Cabe apresentar dois pontos desse cerceamento de espaços e condições marcadamente baseados no gênero. Desde 2009, os partidos são obrigados a reservar 30% de vagas para candidatas mulheres. Entretanto, nesses espaços, pouquíssimas ocupam cargos de direção. Elas são as que recebem os menores recursos para investir em suas candidaturas. O resultado disso é que, apesar do aumento do número de candidatas, o Brasil ainda tem pouco mais de 10% de deputadas federais, ocupando o vergonhoso 154º lugar dentre 193 países analisados pela União Interparlamentar. Isso nos leva a ocupar o incrível posto de terceira pior representatividade feminina na América Latina, perdendo apenas para Belize (183º) e Haiti (187º). Nas câmaras municipais, também não é diferente: desde 2004, o percentual de mulheres ficou abaixo de 15%.

 

Esta realidade não está somente na vida pública. As mulheres ganham 30% a menos desempenhando as mesmas funções de um colega homem e branco. No mercado de trabalho, as mulheres ocupam 44% dos postos de trabalho, mas apenas 16% estão nos cargos de CEOs. Isso ocorreu mesmo após consultorias como a McKinsey e Co. apontarem que a diversidade nos cargos de direção melhora o desempenho das empresas.

 

Seja no ambiente público ou no privado, o fato de ser mulher já nos coloca numa condição de desigualdade, vulnerabilidade e exposição a violências físicas e simbólicas que foram vistas como naturais durante séculos. Buscar informações, discursos e práticas que minimizem esta realidade é apenas procurar eliminar o enorme abismo que separa homens e mulheres ao nascer. Olhar para essas diferenças é o primeiro passo na luta pela igualdade.

 

* Pesquisadora do Laboratório de Cidades Criativas e integrante da Escola da Política

 

Imagem: HuffPost Brasil