Por Karla Gobo*
(Texto originalmente produzido para a Escola da Política)
Pensar a necessidade da participação da mulher na disputa político partidária requer pensar o próprio modelo de democracia. Numa sociedade complexa, com inúmeros interesses, não seria estranho ter uma classe política razoavelmente homogênea? Composta basicamente por homens brancos, em sua maioria acima dos quarenta anos, de alta escolaridade e pertencentes às frações de classe mais altas num país marcado por tamanhas desigualdades como o Brasil? Se pensarmos a democracia como construção do consenso através do conflito entre posturas e opiniões divergentes, não estaria faltando maior diversidade no sentido de aumentar os pontos de conflito a fim de construir consensos mais complexos, mas também mais sólidos? Assim não se estaria também aumentando a qualidade da democracia com maior equilíbrio de forças para que nenhum grupo pudesse por em risco os demais? Se uma democracia é formular, exprimir e ter suas preferências consideradas na conduta do governo, não estaríamos deixando as nossas proposições serem comandadas por preferências diferentes e até mesmo contrárias as nossas? Em outras palavras, a diversidade dos nossos interesses, experiências e opiniões não estaria sendo representada por um grupo demasiadamente pequeno? Sendo assim, será que não há uma desconexão entre os representantes e representados?
A disparidade de gênero não é uma peculiaridade brasileira. O Brasil tem pouco mais de 10% de deputadas federais quando a média mundial é de 22,1%. Estamos no 154º lugar entre 193 países, à frente apenas de alguns países árabes, do Oriente Médio e de ilhas polinésias. No executivo a situação é ainda pior, configuramos na 167ª posição no ranking mundial de participação de mulheres no executivo, que analisou 174 países.[1]
Dentre os países latino americanos a Argentina tem aproximadamente 39% de representação feminina. Bolívia 53%, Peru 27%, Venezuela 22%, México 43%. Dentre os países desenvolvidos EUA 19%, Canadá 26%, França 26%, Alemanha 37%.
Em 1997 foi estabelecida uma lei que propunha a reserva de vaga de 30% para candidaturas mulheres. Como muitos partidos não respeitavam a regra por se tratar de reserva e não de obrigatoriedade em 2009 a lei foi alterada[2]. Nesta nova configuração, os partidos devem preencher no 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
Entretanto, nas municipais de 2016 12,5% de todas as mulheres inscritas para disputar a eleição não recebeu nenhum voto, ao contrário dos 2,6% dos candidatos do sexo masculino. Nestas mesmas eleições municipais, notou-se uma distinção na distribuição de recursos pelos partidos que tendem a privilegiar candidaturas do sexo masculino. Mas felizmente tivemos algumas melhoras, segundo a pesquisa realizada e divulgada pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). Em 2008 eram 6.450 mulheres. Em 2012 as Câmaras municipais contavam com 7.782 vereadoras e em 2016 foram eleitas 7.803.
Os desafios vão desde o enfrentamento das violências física e simbólicas que as mulheres em geral são cotidianamente expostas. Violências e exclusões diárias nos ambientes públicos e privados, que veem com desconfiança ou repúdio a participação feminina em cargos públicos ou de chefia. A título de exemplo basta lembrar o tipo de manifestação contra o aumento dos combustíveis no governo Dilma que gerou um tipo de reação em nada comparável no governo Temer, que também já assistiu a algumas alterações nos preços.
Essa estrutura desigual pede ações efetivas de enfrentamento na vida pública e privada. Na vida pública isso vai desde não aceitar menos do que seu colega de trabalho que ganha em média 30% a mais realizando a mesma tarefa, até se posicionar contra os assédios de chefes e colegas de trabalho. Assédios que podem ser um convite para jantar, um comentário sobre seu batom ou roupa durante uma reunião de trabalho ou constrangimentos por conta da maternidade ou orientação sexual.
Para a participação na vida política, é fundamental que as mulheres passem a exigir participação equitativa nos diretórios e executivas dos partidos. Para se ter uma ideia das desigualdades nas estruturas partidárias dos grandes partidos: o PT é aquele com uma divisão mais igualitária nos seus diretórios, com aproximadamente 46% de mulheres. O PSDB tem aproximadamente 25%. o PMDB 11% e o DEM 4%. Nas executivas nacionais com exceção da pequena melhora do PMDB (13%) e o empate do DEM (4%), o PT tem apenas 32% e PSDB 23%[3]. Lembrando que esses cargos são fundamentais para a visibilidade e a divisão mais igualitária entre os recursos destinados para as candidaturas.
Tradicionalmente os partidos localizados à esquerda do espectro ideológicos têm uma divisão mais equitativa nos seus postos de direção. Isso pode ser explicado pela forma como eles nascem, com suas bases nos movimentos sociais, estudantis e sindicais. No entanto, é preciso lembrar que os índices melhores do Partido dos Trabalhadores é também reflexo da adoção de cotas de gênero naquele espaço desde 1991, enquanto os demais raramente explicitam a reserva de vagas em seus estatutos.
A disputa nos espaços públicos também requer mudanças nas relações nos ambientes privados, sobretudo na divisão das tarefas domésticas. Atualmente os homens ocupados trabalham, em média 41,1 horas no emprego e 10,5 horas em casa, totalizando 51,6 horas. Enquanto as mulheres utilizam 36,5 horas no emprego e 18 horas nos afazeres domésticos, somando assim 54,5 horas semanais.[4]
Enfim, para as mulheres os desafios são constantes e diários, não há espaço que não esteja marcado por formas de violência e exclusão físicas, materiais e simbólicas que precisam ser ativamente enfrentadas.
[1] https://nacoesunidas.org/brasil-fica-em-167o-lugar-em-ranking-de-participacao-de-mulheres-no-executivo-alerta-onu/
[2] A Lei nº 9.504/1997 passou para Lei nº 12.034/2009.
[3] http://www.generonumero.media/partidos-recorrem-candidatas-fantasmas-para-preencher-cota-de-30-para-mulheres/
[4] https://oglobo.globo.com/economia/mulheres-trabalham-oito-horas-mais-que-os-homens-nos-afazeres-domesticos-22156901
* Pesquisadora do Laboratório de Cidades Criativas e integrante da Escola da Política.
Imagem: Revista Gambiarra