O novo paradigma da moda sustentável

Por Leonardo Jacques Gammal Zeitune*

 

Nos últimos tempos, é possível observar uma preocupação das empresas do ramo da moda para além da questão ambiental. O novo paradigma se caracteriza por um equilíbrio entre estar de acordo com as leis e regulamentações ambientais, procurar alternativas sustentáveis e que reduzam o custo de fabricação e satisfazer as necessidades de um consumidor com um perfil consciente, aquele disposto a pagar mais por produtos sustentáveis, que não agridem o meio ambiente. São muitos os desafios das empresas do ramo da moda no que tange à disseminação da sustentabilidade.

 

Entretanto, não só a figura do consumidor consciente é capaz de orientar as empresas para a implementação de práticas sustentáveis no ramo da moda. Cabe ressaltar a importância da sustentabilidade durante todo o processo de fabricação nas indústrias como cenário de mudança favorável a três partes: o consumidor, a empresa e o meio ambiente.

 

Atualmente, é possível ver uma quantidade de marcas de moda sustentável que realizam projetos na busca de conscientizar seus consumidores sobre o uso de produtos amigos do meio ambiente e os benefícios que esse consumo traz para a sociedade, considerando todo o processo de decisão de compra. A Reserva, empresa de roupas masculinas voltada para o público jovem, possui diversos projetos relacionados à sustentabilidade. Um dos grandes projetos da marca na área socioambiental é o Rebeldes Com Causa, dando destaque aos empreendedores sociais em vez de divulgar seus produtos. O projeto visa dar reconhecimento àqueles que tiveram vontade e fizeram o bem em prol da sociedade.

 

Outro projeto sustentável da Reserva é a Ecomoda. Em 2013, a marca deixou de incinerar suas peças de roupa e passou a doar as peças com defeito, comumente chamadas de “rejects” por eles, para a Ecomoda Mangueira – Escola de Moda Sustentável da Secretaria de Meio Ambiente do Governo do Rio de Janeiro. Esse projeto já capacitou 800 pessoas para o mercado de trabalho e vem ensinando as pessoas como reaproveitar os tecidos no processo produtivo. Pode-se perceber que a marca Reserva, além de apenas vender seus produtos para um público jovem, também se utiliza de diversos meios de comunicação para divulgar seus projetos sociais.

 

Focada em gerar uma identificação dos jovens empreendedores com os valores da marca, a Reserva baseia-se na preservação ao meio ambiente, responsabilidade social e sustentabilidade. Pode-se perceber que a comunicação da marca não está sendo pautada no estilo que ela oferece, mas no que ela acredita. Ao promover experiências para seus consumidores, a marca está comunicando seu propósito.

 

Apesar de algumas marcas, como a Reserva, já estarem em uma fase de transição de posicionamento devido ao crescente clamor da sociedade em busca de produtos que não agridem ao meio ambiente, é visível que ainda há um certo equilíbrio entre moda e sustentabilidade que as empresas não conseguem alcançar e agregar valor para os dois lados. Esse fator é de grande importância para a Economia Criativa, visto que a mesma tem se mostrado uma solução viável e sustentável nos países em desenvolvimento, como o Brasil, além de manter os jovens brasileiros produtivos e atuantes, colaborando com arranjos locais e incentivando a cultura.

 

* Mestrando em Gestão da Economia Criativa pela ESPM-Rio.

 

Imagem: Reserva

O português erótico de Hilda Hilst na Flip 2018

Por Verônica Fernandes*

 

Depois de um 2017 em que o Brasil retrocedeu nos debates sobre arte e sexualidade, a escolha de Hilda Hilst como homenageada da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2018 vem escancarar de vez questões que o país precisa encarar. Se a originalidade de muitas das obras iniciais de Hilda parece escandalizar por dar voz à mulher que, como ela mesma disse, “ousa pensar em português”, são os seus livros eróticos que vão permitir o eu-feminino falar do sexo e do prazer do gozo, temas ainda hoje negados às mulheres. Se o papel da arte é também perturbar, Hilda procurou criar, indo além disso, um discurso visceral, capaz de inventar e questionar novas formas de comunicar e amar. Se quando pensamos em mulheres escritoras brasileiras, o primeiro e principal nome que nos vem à mente é o de Clarice Lispector, nome canônico nacional mais ligado ao pensamento filosófico do que propriamente à literatura, a merecida Flip de Hilda foi ultrapassada até por Ana Cristina César, a tal poeta marginal, segunda mulher a ser homenageada em 16 anos de Feira Literária.

 

Para os críticos e reacionários que nunca aceitaram Hilda como a/o maior escritor/a brasileira/o a falar sobre sexo e erotismo, a escolha atenta de Josélia Aguiar, saindo do “clube do bolinha” da curadoria da Flip, parece ter noção da importância da obra de Hilda no cenário histórico-cultural brasileiro atual. Depois de canceladas as exposições do Queermuseu e dos protestos ocorridos contra a interação performática entre um homem nu e uma criança no Museu de Arte Moderna de São Paulo, Hilda vem falar de sexo naquilo que de mais incômodo e questionador tal assunto pode criar. Seja pela voz de homens, mulheres e até mesmo crianças. É com “O caderno rosa de Lori Lamby” (1990) que Hilda não poupa textos ditos obscenos e grotescos que perturbam pelas descrições pornográficas dos atos sexuais de uma menina de 8 anos. Nesse sentido, mais do que questionar o direito que só os homens têm de narrar o erótico e o pornô – de Jean Genet a Heny Miller, passando por George Bataille -, Hilda exagera para confrontar a metafísica dos seus temas preferidos: a solidão, o amor, o envelhecimento, a literatura, a morte. Como diria o crítico Alcir Pécora, “não é pornográfica a literatura pornográfica de Hilda Hilst.”

 

Definida no seu próprio site como “feira literária pensada para propagar as vivências e diversidades da cultura brasileira e homenagear os grandes escritores nacionais”, a Flip tem com a obscenidade de Hilda a oportunidade de tirar do limbo da história do evento grandes escritoras brasileiras, como também tem a chance de finalmente destacar a importância da obra de Hilda na história da literatura nacional. Ao abrir espaço entre todos os escritores homens homenageados que a precederam, Hilda é possibilidade de romper com a monopolização e poder de um cânon que é definido e composto quase majoritariamente por homens, o que nos faz ver, pensar e agir a partir de visões patriarcais e quase sempre sexistas. Ao finamente dar voz à Hilda, é possível sujar, questionar as visões normativas que ordenam o nosso imaginário nacional, cultural, literário e de gênero. Hilda vai na contramão da literatura rosa e “de mulherzinha” que o caderno de Lori poderia aparentar. Hilda tem com a Flip a possibilidade de espalhar a sua pornocracia, que só é repugnante porque permite às mulheres o direito de falar e gozar. Precisamos, mais do que nunca, de uma pornografia educativa para os analfabetos literários e sexuais que somos, incapazes de comunicar com a diversidade de escritas e desejos. Que venham os livros para salas, quartos e banheiros. Que venha a Hilda grotesca e obscena, maravilhosa na plenitude da sua metafísica pornô, dando às mulheres a possibilidade de escrever e serem lidas, donas das suas próprias narrativas. Mulheres que, ao contrário do que Hilda ironiza em “Contos d’Escárnio”, estão no mundo para também serem sujeitos. Que venha muita metafísica das grossas: é o ano de Hilda Hilst!

 

* Doutoranda em Estudos Portugueses. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

 

Imagem: Blog da Companhia

Os desafios da mobilidade urbana

Por Veranise Dubeux*

 

Nos últimos anos, o debate sobre a mobilidade urbana vem se acirrando cada vez mais em diversos países, e isso não poderia ser diferente no Brasil. A maioria dos grandes centros urbanos em nosso país vem encontrando dificuldades em desenvolver meios para diminuir a quantidade de congestionamentos em áreas centrais .

Independentemente das suas tecnologias e das emissões de seus motores, os carros estão ocupando o espaço de transporte disponível nas ruas das cidades, e as vias congestionadas estão a impedir – em vez de promover – a mobilidade das pessoas. Muitas autoridades estão tributando ou restringindo a utilização do automóvel particular em algumas áreas urbanas, em especial nas cidades criativas.

Entre as formas alternativas de mobilidade urbana, a substituição do transporte privado pelo público está no centro deste debate. No entanto, mesmo em países economicamente desenvolvidos e com bons sistemas de transporte público, eficientes e confortáveis, parte importante dos usuários apontou preferência por carros privados.

No Brasil, os problemas de mobilidade urbana estão diretamente relacionados ao aumento do uso de transportes individuais em detrimento da utilização dos coletivos, embora esses últimos também encontrem dificuldades com a superlotação.

Nos últimos anos, o aumento do número de veículos automotores no Brasil foi dez vezes maior do que o da sua população. Enquanto a população cresceu em 12,2% numa década, o aumento do número de veículos motorizados foi de 138,6%, de acordo com o Observatório das Metrópoles.

Uma saída poderia ser a ampliação de debates sobre a regulamentação de ações públicas para mobilidade urbana, com ênfase na melhoria da qualidade e da eficiência dos deslocamentos por parte das populações e também na investigação do estilo de vida dos brasileiros em vários centros urbanos, para que fosse possível mapear quais são as motivações para a utilização de veículos particulares.

 

* Pesquisadora do Laboratório de Cidades Criativas

A nova era do varejo

Por Isabella Vasconcellos*

 

Muitos apostaram que os livros impressos desapareceriam do mercado com a chegada do e-book, mas a venda de livros aumentou.

Agora alguns críticos, diante da crise econômica e do crescimento constante de dois dígitos do e-commerce nos últimos anos, apostam pelo fim completo das lojas físicas. Será verdade?

Surge então a “Nova Era do Varejo”, que não mais vende mercadoria, tarefa mais fácil realizada pelo e-commerce, mas proporciona “experiências” ao consumidor. Este é o grande desafio: otimização dos processos, redução dos custos operacionais e encantamento do consumidor, proporcionando coisas difíceis de encontrar no ambiente virtual.

Voltamos à exploração dos sentidos da visão, audição, olfato, tato no contato direto com o produto e experimentação do sabor ou da funcionalidade.

Lojas como o Amazon Go oferecem conveniência ao consumidor sem qualquer funcionário na área de vendas. Lojas de maquiagem permitem à consumidora a experimentação dos produtos, aplicando virtualmente os produtos escolhidos sobre o rosto da cliente. O mesmo acontece por meio de experimentadores virtuais em lojas de roupa, que “vestem virtualmente“ a consumidora. O aroma da loja que atribui valor à marca, a música ambiente compatível com o estilo do consumidor, a oportunidade de experimentar um vinho, testar um eletrodoméstico ou vídeo game no ponto de venda são diferenciais que até o momento só podem ser explorados  presencialmente.

Várias empresas de varejo contrariam os mais pessimistas investindo no desenvolvimento de experiências para atrair o consumidor ao ponto de venda.

A joalheria Tiffany & CO em NY oferece a experiência de café da manhã similar à da atriz Andrey Hepburn, retratada em filme de 1961, por apenas US$ 29. Os turistas fazem fila no restaurante.

Walmart oferece, em várias de suas 5 mil lojas, 20 mil “festas de final de ano”, com a presença de Papai Noel e demonstração de brinquedos com o objetivo de atrair compradores.

A Natura abre lojas e compra a rede de mais de 3 mil lojas da The Body Shop no mundo todo.

A Via Varejo investe no desenvolvimento da “loja smart”, que demanda menos funcionários, oferece mapas de calor de movimentação de clientes para identificar as categorias de produtos mais procurados e, por tecnologia, identifica clientes que já fizeram pesquisas de produtos em seus celulares e desenvolve ofertas mais direcionadas por meio de seus vendedores.

A Aveia Quaker inaugurou em São Paulo sua primeira loja flagship para oferecer ao consumidor uma experiência com o produto no restaurante em que ministrará aulas especiais, com receitas contemporâneas, sob o comando da chef Morena Leite.

A Dreamscape Immersive, em conjunto com Steven Spielberg e três estúdios, abre sua primeira loja de Realidade Virtual num shopping de Los Angeles para oferecer ao consumidor uma experiência virtual única. A tecnologia permite que várias pessoas interajam em um único ambiente de realidade virtual com o uso de 16 câmeras e sensores nas mãos e pés de até seis usuários.

É a hora de o varejo revolucionar e se diferenciar, oferecendo ao consumidor a experiência do “consumo participativo”.

 

* Pesquisadora do Laboratório de Cidades Criativas.

 

Economia criativa, inovação e resistência: os artistas induzidos ao Rock and Roll Hall of Fame em 2018

Por Diego Santos Vieira de Jesus*

 

Criado em 1986, o Rock and Roll Hall of Fame, localizado em Cleveland (Ohio, EUA), reconhece e registra a história de profissionais criativos ligados ao setor da música, como cantores e bandas que tiveram influência e importância para o desenvolvimento e a perpetuação do rock and roll e do pop, bem como produtores e empreendedores que influenciaram a indústria musical. Alguns artistas são induzidos ao Rock and Roll Hall of Fame na categoria “Primeiras Influências”, pois a música produzida por eles é anterior ao rock and roll, mas sua música teve impacto sobre o desenvolvimento do estilo.

 

Incluindo profissionais cujo primeiro álbum tenha sido lançado há pelo menos 25 anos em relação à data de sua indução, o conjunto de cantores e bandas no Rock and Roll Hall of Fame abarca de Buddy Holly e Elvis Presley a Michael Jackson e Madonna. Em 2018, vão se juntar a esse grupo Bon Jovi, Dire Straits, The Cars, The Moody Blues, Nina Simone e Sister Rosetta Tharpe, escolhidos por meio de uma votação formada por músicos, jornalistas e personalidades da indústria da música, além de uma seleção aberta ao público na internet. Cada um dos selecionados para 2018 teve um papel fundamental não só na definição da indústria da música, mas também de outras indústrias criativas interligadas.

 

Recebendo mais de um milhão de votos do público – que conta como um voto no julgamento geral –, o Bon Jovi veio se constituindo como uma das bandas mais influentes do rock and roll. O grupo de Nova Jersey aproximou o rock and roll do pop melódico e assim conquistou, desde a década de 1980, uma legião de fãs que comprou seus álbuns e lotou estádios em turnês da banda e festivais ao redor do mundo para assistir a seus shows, repletos de clássicos que vão de “Livin’ on a prayer” a “It’s my life”, além de românticas como “I’ll be there for you” e “Always”. O sucesso do Bon Jovi ao investir em uma sonoridade mais romântica fez com que muitos fãs da música pop – em especial mulheres – aproximassem-se do rock and roll – frequentemente visto como um estilo musical mais próximo do gosto masculino – e gerou uma série de bandas que tentaram reproduzir seu estilo, como Europe e Warrant.

 

Como o Bon Jovi, o Dire Straits investiu pesadamente no desenvolvimento de material audiovisual, tornando-se pioneiro na produção de videoclipes que eram veiculados pela MTV. O clipe de “Money for nothing”, por exemplo, ganhou destaque pela aplicação de efeitos de computação gráfica, inovadores para a década de 1980. A banda britânica, formada no fim da década de 1970, consolidou-se produzindo uma sonoridade mais leve, que contrastava com a predominância do punk rock naquela época.

 

Surgidos do new wave na mesma época, The Cars foram pioneiros na fusão do rock and roll – em especial o minimalismo punk, as texturas de guitarra do art rock e o revival do rockabilly – com o pop baseado em sintetizadores. Além das mudanças em termos da produção da música, a banda norte-americana trouxe inúmeras contribuições ao audiovisual, ao consolidar o videoclipe como um suporte para a divulgação de álbuns e canções e uma forma de arte. O clipe de “You might think” foi o vencedor do prêmio de “Melhor Vídeo do Ano” no primeiro MTV Video Music Awards, em 1984.

 

Conhecidos por “álbuns conceituais”, os britânicos do The Moody Blues eram uma banda de rhythm and blues, formada na década de 1960, mas posteriormente se tornaram renomados a partir de uma transição para a música psicodélica. O som orquestral do grupo de Birmingham fundia-se ao rock and roll, colocando-os como pioneiros no desenvolvimento do art rock e do rock progressivo. Músicas como “Go now”, “Question” e “Nights in white satin” tornaram a banda internacionalmente conhecida.

 

Nina Simone era pianista, cantora, compositora e ativista pelos direitos civis dos negros norte-americanos, mostrando como a indústria criativa da música abria espaço para a resistência e a denúncia da opressão contra grupos sociais. Depois de ser rejeitada em escolas prestigiadas para estudar música por conta da discriminação racial, Simone transitou por diferentes estilos, como o jazz, a música clássica, o blues, o folk, o rhythm and blues, o gospel e o pop. Hits mundiais como “My baby just cares for me” e “To love somebody” estão em seus mais de 40 álbuns, que compõem a obra de uma das artistas mais influentes do século XX.

 

Com grande popularidade entre as décadas de 1930 e 1940, Sister Rosetta Tharpe – que recebeu a indução ao Rock and Roll Hall of Fame como “Primeiras Influências” – foi cantora, compositora e guitarrista de música gospel. Ela combinava a virtuosidade de guitarrista – clara em seus solos de guitarra – com letras espirituosas. As letras gospel de suas músicas combinavam-se a elementos do blues e do country, que futuramente viriam a constituir o rock and roll. Mostrando mais uma vez como a indústria criativa da música funciona como espaço de transgressão, Tharpe questionou as fronteiras entre o sagrado e o secular, apresentando sua música em clubes noturnos e salões de baile acompanhada por big bands.

 

Mais do que serem grandes influências musicais para gerações de artistas do rock and roll e de outros ritmos, os artistas induzidos ao Rock and Roll Hall of Fame em 2018 provam como a indústria criativa da música não é apenas um espaço de geração de riqueza, mas também de inovação e de contestação social.

 

* Coordenador do Laboratório de Cidades Criativas da ESPM-Rio.